Contos: Necronomicon



Pedi referências do livro à bibliotecária, com a intenção de saber mais à respeito de quem o escreveu, etc. Mas, ao invés disso, ela me disse o seguinte:


-Olhe, meu senhor, fazem mais de cinco anos que ninguém ousa mexer neste livro. Olhe só o registro! Ninguém sabe nada sobre o autor; o último que leu este livro sumiu há três anos e nunca mais apareceu!

Perguntei-lhe se havia alguma crendice em torno dele:
-Nas últimas vezes que ele saiu desta biblioteca, conta-se de ruídos estranhos provindos da floresta ao norte, luzes diferentes no céu à noite e um maior movimento de pessoas na cidade. Talvez sejam apenas ilusões, mas eu prefiro não me arriscar...
Recusei-me a acreditar em tamanha tolice:
-"Um jornalista deve manter o sangue frio e não acreditar em crendices populares", pensei comigo. (Como me arrependo disso!)
Assinei o registro e fui diretamente para o hotel onde estava hospedado. Preparei um lanche bem reforçado (sabia que iria ficar horas lendo o livro), sentei-me na poltrona e comecei a folheá-lo.

Já nas primeiras páginas senti algo que pairava entre medo e aversão, pois seus dizeres definitivamente não eram para alguém como eu, com pouca experiência de vida. Vendo aquelas figuras bizarras, senti-me como se estivesse entrando em um mundo negro, cheio de criaturas fantásticas e arcanas, que desapareceram há dezenas de milhões de anos atrás e que até hoje esperam o dia em que poderão voltar a ter o domínio sobre a Terra.
Enquanto lia o livro, perdi totalmente a noção do tempo. Já era noite quando tive a nítida impressão de ter visto vultos nas janelas de meu aposento (que era no terceiro andar do hotel). Levantei-me, espiei para fora do quarto e, como não vi nada, voltei a ler. (Desta vez, fechei bem as janelas...). Em uma certa página do livro, deparei-me com uma figura incrível: um ser (aquilo não pode ser chamado de homem), com pés de dinossauro, vestindo uma túnica negra e empunhando uma espécie de bastão com símbolos pagãos. Imaginei a que tipo de religião ou seita infernal pertencia uma criatura como aquela. Enquanto tentava entender o significado de tudo aquilo, ouvi ruídos provindos do jardim. Inicialmente, imaginei que fossem gatos, dado o avançado da hora, mas posteriormente os sons se tornaram mais nítidos: pareciam passos. Além disso, uma luz estranha dava a impressão de estar se aproximando. Rapidamente, marquei a página no livro, fechei-o e corri em direção &agrafe; janela. A luz foi então enfraquecendo e os passos se tornaram mais distantes, mas, ao fundo, pude observar, de encontro à luz bruxuleante, um sujeito vestindo uma túnica preta parecidíssima com aquela do ser da figura, no livro.
-"Não, não pode ser!!" , pensei comigo. Era absurdo demais para ser verdade. Mas, afinal, era eu um jornalista ou não? Tentei conter o medo que se instaurou em mim naquele instante; pensei na oportunidade única que eu estava tendo e até em uma possível promoção no jornal. Por isso, antes que o sujeito desaparecesse na escuridão, apressei-me em guardar bem o livro, fechar o quarto e sair às ruas, na tentativa de perseguí-lo.
Discretamente, segui a criatura por várias ruas (que, a essa hora, estavam desertas). Na encruzilhada próxima ao cemitério da cidade, o ser fez uma pausa, como se estivesse reverenciando o lugar ou soubesse que eu estava atrás dele. O tempo foi suficiente para eu me aproximar mais e observá-lo mais de perto: realmente, ERA o mesmo ser do livro, mas muito mais horrendo. Seus pés de dinossauro não tocavam o chão, o que levou-me a crer que aqueles passos que ouvi no jardim eram apenas para me chamar a atenção. A túnica negra possuía um emblema igual ao da ponta do bastão que ele empunhava, que por sua vez brilhava com uma estranha luz avermelhada.
Após a súbita interrupção, continuamos a caminhar. A cada passo, meu medo só aumentava. Imaginava para onde a criatura estava indo, se existiam mais delas, a qual deus elas adoravam, se eu seria descoberto, etc. Seguimos por uma estrada mal iluminada, até a entrada da floresta do norte, da qual a bibliotecária havia me falado. Continuamos andando pela floresta mais alguns quilômetros (agora, com mais cuidado, pois o chão estava coberto de folhas secas, e qualquer passo em falso despertaria a atenção do ser - como se ele não soubesse que eu estava atrás dele...). Eu já estava ofegante; apesar de minha pouca idade, havia andado uns bons quilômetros. Ao chegar em uma clareira, a criatura se deteve, ergueu o bastão o mais alto que pôde e gritou algumas palavras incompreensíveis.
Foi aí que aconteceu: na clareira, apareceram dezenas de seres humanos (alguns dos quais eu conhecia e até havia conversado). Uma luz misteriosa fortíssima apareceu no céu, iluminando aquela cena aterradora. Com mais algumas palavras do ser de túnica negra (que parecia ser o líder do grupo), aconteceu a metamorfose: aqueles seres humanos transformaram-se em uma massa disforme, com membros aparecendo e sumindo constantemente. Naquele instante, a luz no céu deu lugar a uma imensa imagem de um rosto demoníaco.
Eu estava estático, aterrorizado. Havia deixado cair minha máquina fotográfica e o mapa que fiz às pressas, enquanto perseguia o ser. Quando pensei em virar as costas e ir embora daquele lugar maldito, ouvi uma voz macabra, espacial, que disse:
-Minha hora ainda não chegou. Por enquanto, permaneçç;o em estado letárgico nas profundezas da Terra, mas continuo vivo. Continuem me adorando; em breve, a Terra toda será minha, e aqueles que se opuserem a mim serão destruídos!!
Ao ouvir isto, meu sangue gelou: pensei em virar para trás para saber quem (ou o que) estava falando, pegar minha máquina fotográfica e registrar tudo aquilo, mas só a lembrança daquele rosto no céu escuro e das massas disformes capazes de se transformar em seres humanos deixou-me em um estado em que meu corpo não obedecia mais aos comandos do cérebro. A única coisa que consegui fazer, com muita dificuldade (e que foi a última atitude sensata de minha vida) foi deixar tudo lá mesmo, andar vagarosamente na direção oposta àquela clareira e, quando estava a uma distância segura daquilo tudo, pus-me a correr freneticamente, como nunca havia corrido em toda minha vida, de volta ao hotel. Imediatamente, fiz minhas malas, peguei aquele livro maldito, deixei-o na porta da biblioteca (que estava fechada), tomei uma condução e voltei para minha cidade.
Até hoje lembro-me com facilidade da capa do livro e daquele rosto infernal nos céus de Miskatonik. Imagino se aquele ser de túnica preta sabia ou não que eu o estava perseguindo e, se sim, por quê ainda não me encontrou. Imagino se aquele rosto realmente pertence a algo vivo, se realmente se encontra nos abismos profundos da Terra e de que forma poderá retornar. Enquanto aguardo este dia (espero não estar vivo até lá), fico aqui, neste hospício úmido e frio, rezando para que ninguém mais vá a Miskatonik em busca do maldito NECRONOMICON.

Autor: Gabriel Dallagrana

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